OPINIÃO

O SHOW DA DEMOCRACIA MODERNA

Por Marina da Matta e Rafael Souto

O mundo agora comemora ao respirar o “doce” perfume da democracia moderna. É o que se passa nos principais meios de comunicação ao idealizarem no novo presidente dos EUA, Barak Obama, a possibilidade da existência de um mundo melhor. Ao menos o “mundo” deles, os estadunidenses, pois quem governa, governa para um povo e não tenhamos dúvidas que Obama fará certo, como manda o ditado: assumindo a presidência do país em um momento de crise, terá que solucionar a recessão econômica e a confusão de Bush instalada no Iraque.

Além de ser o primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, Obama vem quebrando uma série de tabus e paradigmas como esse. Advogado e senador pelo estado de Illinois, Obama interrompe uma hegemonia dos republicanos de anos na presidência, senado e no parlamento, corando ainda mais o sucesso da campanha que os democratas realizaram. Mas, mais do que massacrar o partido de Bush nas eleições, a vitória de Obama foi sem dúvida a sua capacidade de recolher arrecadação para campanha, além de mostrar e despertar nos eleitores estadunidenses o “doce” cheiro da democracia, ao confirmarem uma eleição recorde de participação de votos, acordando uma sensação meio esquecida de povo para quem as eleições é um exercício concedido e não uma obrigação.

Para nós, brasileiros, é meio estranho essa idéia de voto não-obrigatório, mas para eles deve ser uma questão muito comum ou até normal. Como a participação de outros partidos, além dos partidos hegemônicos, o Republicano e o Democrata, é quase que inexistente, a alternância no poder é quase sempre e apenas formal: a concepção de sociedade e planejamento de estado os dois partidos mantêm o mesmo seio liberal, diferenciados apenas em nível de interferência e participação do estado na sociedade. Lá é meio que play ground de empresários, o estado é privatizado e as “pessoas jurídicas” - termo aliás inventado por lá e que garante os direitos pessoais (sic) das corporações, podem tudo. Por isso que, para muitos de nós, não-estadunidenses, é estranha essa “democracia americana”. Nesse caso “deixe aos americanos o que é dos americanos”.

BRASIL

Já nós aqui debaixo da linha do equador, nesse “brasilzão” que mais parece um continente, temos outros motivos para nos orgulhar: a precisão, rapidez e transparência que nossas eleições municipais tiveram. Foi brilhante: em questão de poucas horas, sabíamos quem seriam os próximos responsáveis em administrar as mais de cinco mil cidades existentes, exceto as que iriam para o segundo turno. Um show de apuração, servindo de modelo para velhas e grandes repúblicas que consomem mais tempo para certificar quem será os novos governantes.

No entanto não é esse o show que todo brasileiro gostaria que acontecesse. Gostaríamos que o show fossem dos governantes. Que eles fossem referência em honestidade e integridade administrativa, que viesse deles a possibilidade de sermos referência em educação, saúde, transporte, enfim, referência em um modelo de política social, modelo de uma gestão que incorpore um planejamento social que respeitasse os cidadãos e desse a eles as melhores condições de moradia, trabalho, educação, lazer. Em uma palavra: dignidade.

Você poderia até criticar dizendo que usamos clichês ou até mesmo nos achando românticos e inocentes. A você, respondemos: não percamos de vista a Constituição da República como um reconhecimento de um povo, ou seja, o surgimento da concepção de que o Estado é do povo e ele (Estado) deve trabalhar em promoção do povo. Só que então podemos saltar para o debate que realmente interessa: o povo está sendo representado? Nesse caso, vivemos de fato uma democracia – do grego, poder do povo? Ou será que o Estado não é do povo? E então, quem sabe a democracia moderna deixa de ser um “doce” perfume, cuja a existência é percebida como um show, mas cuja efetividade aparece oculta.

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