Para quem não sabe,
um dos grandes cineastas brasileiros contemporâneos, Helvécio
Ratton, é conterrâneo da redação da Revista QUESTÕES.
Nascido no interior de Minas Gerais, mais precisamente na cidade de
Divinópolis, a 110 Km da capital do estado, o diretor resolveu ir
atrás de paradoxo alimentício particular da região: uma tradição
proibida para os demais estados.
O famoso queijo
curado de Minas, produzido artesanalmente, é o personagem do filme
mais recente do diretor, que foi às fazendas e pequenas produtoras
desvendar a problemática que envolve a venda dos produtos. A obra,
intitulada “O Mineiro e o Queijo”, possui formato de documentário
e estreou nas salas mineiras no dia 23 de setembro. Nos demais
estados o filme entrou em cartaz na última sexta-feira (30).
O problema consiste
no fato de que, aparentemente, o próprio caráter artesanal do
queijo mineiro é o que proíbe sua venda. O produto é mundialmente
famoso, concorrendo diretamente com os queijos europeus, em questão
de qualidade. Isso porque na confecção do queijo mineiro é
utilizado o leite em seu estado natural, não pasteurizado. Mas o
problema é muito mais complexo do que parece.
O “queijo de
Minas”, como é chamado por todo o país é registrado como bem
material cultural regional de Minas Gerais, pelo Instituto Estadual
do Patrimônio Histórico e Artístico e pelo Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional. O fazer
queijo
em
Minas Gerais, como demonstrado na obra de Ratton, é uma tradição
passada de pais para filhos, seja como negócio ou como apenas
subsistência.
Mas há um conflito
entre a produção e comercialização do produto: por seu caráter
artesanal, o queijo só pode ser vendido para fora do estado após
passar 60 dias curando sob responsabilidade no Ministério da
Agricultura. São normas de vigilância nacional. Ou isso ou a
produtora de queijos precisa instalar equipamentos caríssimos em sua
produção, para que a venda seja liberada. Os pequenos produtores –
que em Minas Gerais são os responsáveis pelos melhores queijos –
saem no prejuízo.
O queijo em Minas
Gerais é muito mais do que um mero alimento. É ele que dá o sabor
particular do pão de queijo e que une as famílias e amigos ao redor
da mesa enquanto conversam, acompanhado de um bom café preto e
forte. Fora do estado ele é considerado um ingrediente essencial na
feitura de pratos e sobremesas (um exemplo de seu uso é no chamado
“Romeu e Julieta”). E, graças às normas legais, os queijos
artesanais de Minas perdem seu espaço para os industrializados. Ou
seja, o patrimônio histórico nacional e mineiro é obrigado a ficar
preso do próprio estado.
O filme traz à tona
outras polêmicas em torno do assunto. Uma perspectiva de um mineiro
sobre seu próprio estado, de forma simples e genial. Helvécio
Ratton representa bem a cidade de Divinópolis não só nesta obra,
mas em várias outras. O filme foi gravado em HD e teve suas últimas
filmagens realizadas no mês passado – uma verdadeira corrida
contra o tempo, mas que valeu a pena.
A trilha sonora que
mescla traços da cultura regional mineira e européia é de Tavinho
Moura, violeiro e mineiro de Juiz de Fora. A produção do filme
conta com poucos profissionais, mas que souberam dar qualidade à
trama nos mínimos detalhes. As filmagens foram realizadas nas
regiões da Serra da Canastra, Alto do Paranaíba e Araxá – que
serviu para ressaltar a interiorização do queijo artesanal de
Minas.
É vergonhoso apenas
que o filme não entre em cartaz no cinema da cidade em que o próprio
diretor nasceu e viveu. O incentivo à difusão de audiovisual na
cidade é nulo. O espaço das salas de cinema é reservado apenas
para filmes comerciais. E o governo local não tem interesse nenhum
em mostrar aos moradores da cidade que há excelentes obras
produzidas por conterrâneos. Afinal, se Ratton fosse esperar
incentivo da cidade jamais seria um cineasta tão renomeado.