“Eu faço todo
mundo rir, mas quem é que vai me fazer rir?”. Essa é a pergunta
que norteia o filme O
palhaço,
dirigido, escrito, produzido e protagonizado por Selton Mello. O
longa entrou em cartaz nos cinemas brasileiros na última sexta-feira
(28/10).
Na história,
Benjamim (Selton Mello), o palhaço Pangaré, e seu pai Valdemar
(Paulo José), o Puro Sangue, dirigem o Circo Esperança – o nome
não poderia ser diferente, pois a missão de seus artistas é animar
pequenas platéias nos interiores e pequenos vilarejos. A trupe de
Benjamim é composta também por mágico, atores, dançarinas e
aberrações.
O filme utiliza como
cenário principal os “sertões” de Minas Gerais, em paralelo às
cidades maiores como Montes Claros e Passos. Entretanto, todos os
espetáculos acontecem em regiões mais pobres e são encenados para
platéias pequenas, com no máximo 50 pessoas.
Os artistas cobram
de Benjamim desde sutiãs maiores para uma das atrizes até o
adiantamento de pagamentos para dois irmãos artistas que sempre
contam uma história diferente sobre algum parente que se diz com
problemas de saúde. Mas a situação financeira do circo não é
uma das melhores, pois além de as apresentações serem para as
pequenas plateias, os artistas precisam liberar entradas gratuitas
para os prefeitos e seus familiares, das cidades por onde passam e
ainda sofrer roubos por parte de Lola (Giselle Motta), dançarina da
trupe, que tem um caso amoroso com Valdemar.
Por outro lado, o
próprio Benjamin se faz outras cobranças, como ter uma carteira de
identidade, um CPF e um comprovante de endereço. O sonho do palhaço
na história era o de se sentir alguém especial. Sentimentos esses
que poderiam ser despertados com a posse dos documentos, com um
grande amor ou a satisfação de ter dinheiro suficiente para comprar
um ventilador – e é essa uma das maiores buscas de Benjamim.
O palhaço se sente
vazio, como se nada mais fosse capaz de despertar-lhe um sorriso.
Sendo assim, ele mesmo acha que precisa ir atrás de sua felicidade,
uma vez que sem sorrir ele já não conseguia mais arrancar risadas
da sua platéia. E é exatamente isso que ele faz, sai busca de si
mesmo.
Benjamim consegue os
documentos, um emprego formal, vai atrás de uma possível amada (e
acaba quebrando a cara) e compra o ventilador. Mas ele então percebe
que não é isso que o faz sorrir. Ele sente que para sorrir precisa
estar rodeado daqueles que ele ama e que o veem como uma válvula de
escape – as gargalhadas da platéia, no caso. E volta para a trupe
do Esperança, que vive uma situação bem melhor após a expulsão
da dançarina por Valdemar. Ao voltar, Benjamim se sente, de fato,
realizado. E descobre ainda um pouco mais sobre a felicidade.
Carregar o circo
para as telonas não é uma tarefa fácil, mas Selton parece ter
feito o caminho certo: a plateia solta gargalhadas durante todo o
filme. E faz o silêncio comovedor perante as cenas de vazio e
desespero de Benjamim.
O filme mostra o
cotidiano dos artistas de circo, em que a felicidade é apenas
momentânea e, às vezes, até mesmo forçada para alegrar a plateia.
As dificuldades e a busca pela felicidade e satisfação são uma
efervescência interna – não só para as trupes de circo, mas para
todos os artistas, que devem fazer da vida uma arte incessante e
cotidianamente, seja na dor, seja na alegria. O filme deixa clara
essa filosofia de vida dos artistas. E mostra que as crises fazem
parte do sucesso.
A trilha sonora de O
palhaço
(Plínio Profeta) é fascinante, pois além de ser totalmente
circense, ora exaltante e excitante, ora desesperadora e misteriosa,
se aproveita de músicas antigas do repertório de músicas
brasileiras para utilizar suas letras como tradução de sentimento
dos personagens em seus momentos de silêncio.
A sensibilidade do
filme é de tirar o chapéu, ou melhor, a cartola. A direção de
fotografia (Adrian Teijido), com cores vibrantes em momentos de
alegria e jogo de sombras e tons cinza nas cenas de conflito interno
de Benjamin são provas disso. Outra evidência é a brincadeira com
os planos de fundo que sempre dizem algo a mais sobre os personagens.
Em algumas cenas os artistas aparecem na frente de quadros de animais
e, os chifres, somados às suas expressões faciais dão origem a
novos personagens, desde cornos até unicórnios. Em outro momento,
Guilhermina (Larissa Manoela), filha de dois artistas do circo,
possui penas como fundo para simular asas e demonstrar sua essência
angelical.
Outro fator que
contribui para o bom desenvolvimento da trama é a escolha do elenco,
que conta também com Teuda Bara, Álamo Facó, Cadu Fávero, Erom
Cordeiro, Hossen Minussi, Maíra Chasseraux, Thogun, Bruna Chiaradia,
Renato Macedo, Tony Tonelada, Fabiana Karla, Jorge Loredo Jackson
Antunes, Moacyr Franco, Tonico Pereira e Ferrugem.
É o tipo de filme
em que o espectador sai da sala de cinema, parafraseando Glauber
Rocha, com o coração na mão e uma ideia na cabeça:
a felicidade deve ser uma busca interna e eterna e não um estado de
espírito. Afinal, nem mesmo os palhaços são alegres o tempo todo.