Opinião

Posso divulgar?

Numa época em que a política é um espetáculo a venda,

nem tudo pode ser divulgado, para o prejuízo da democracia

Por Alinne Andrade e Petrúcia Tavares

Eleições a vista e já começa o bafafá do que pode e o que não pode ser dito no rádio, jornais e televisão. Nas reuniões ordinárias da câmara, não se vê mais quase nenhum repórter. Parece que fujiram todos com medo da possibilidade de terem que mencionar o nome de algum político.

Mas também não é para menos. Já houve candidato em Divinópolis ameaçando processar jornalista por divulgar que um colega de candidatura registrou suas propostas de campanha em cartório. Há que se perguntar: o que é afinal notícia? s Tudo bem que o fato de alguém registrar as propostas não faça diferença alguma quanto a obrigatoriedade de cumpri-las, mas se alguém quis cobrir, que seja.

A exigência de isonomia na cobertura jornalística das eleições é algo muito polêmico. Será que não seria justo oferecer maior espaço de visibilidade àqueles candidatos que tiverem mais propostas a apresentar? Ou que realizaram uma ação digna de ser noticiada? Ou quem sabe fazer uma roda de perguntas com os candidatos mais cotados? Algumas restrições foram impostas pelas resoluções e lei eleitoral, mas, novamente deve-se questionar: há democracia possível sem a completa salvaguarda da liberdade de imprensa? e.

Um exemplo de restrição dada a rádios e TVs é o artigo 23 da resolução do TSE de 2004. Ele diz que desde 1º de julho rádios e TVs são proibidos de "difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido político ou coligação.”

O que se aplica a rádios e TVs se aplica também aos sítios na internete. A Lei Eleitoral e a Resolução do TSE consideram que a internete tem propriedades semelhantes à TV e ao rádio, apesar de não ter a mesma natureza jurídica de concessionária pública.

Já para jornais e revistas, o artigo 22 prevê punição para "abusos e excessos", mas diz que "não caracteriza propaganda eleitoral a divulgação de opinião favorável a candidato, a partido político ou a coligação pela imprensa escrita".

Essa diferenciação entre TVs e jornais segundo o juiz eleitoral Fernando Neves explicou, enquanto ainda era ministro do TSE: a medida de restrição à divulgação "se justifica na medida em que o funcionamento dessas (emissoras de rádio e televisão) depende da concessão, permissão ou autorização do Poder Executivo , conforme rege o artigo 223 da Constituuição Federal), enquanto a publicação de veículo impresso de comunicação independe de licença de autoridade".

Uma medida cautelar do Tribunal Superior Eleitoral (TSE),concedida pelo ministro Arnaldo Versiani, porém, desobriga os veículos de comunicação a tratar de igual maneira os candidatos a cargos eletivos. Parece que alguns já estão percebendo que a liberdade de imprensa é fundamental para construção de uma democracia mais efetiva."Não cabe à Justiça Eleitoral impor às emissoras de televisão, ou a qualquer outro veículo de comunicação, a obrigação de entrevistar esta ou aquela pessoa", diz a decisão.

De acordo com o ministro Versiani nenhum candidato deve ser excluído da cobertura feita pelos veículos de comunicação, mas deve aparecer "conforme o espaço que realmente ocupa no processo eleitoral, nem mais, nem menos".

Segundo Versiani, não existe previsão legal que imponha a isonomia no tratamento aos candidatos, mas sim pelo tempo proporcional à participação de cada um no cenário político."À imprensa compete noticiar o que acontece e é de interesse da sociedade. Daí porque considero perfeitamente admissível e coerente que se dedique maior espaço para candidatos que disputam os primeiros lugares na preferência popular ou para os fatos que são de maior interesse para o público em geral", afirma o ministro.

É claro que nenhuma cobertura jornalística é isenta de posicionamento ideológico ou político e algumas regras garantem que o processo democrático não seja deturpado por convicções pessoais. Porém, uma coisa são as regras impostas e outra é a auto-censura.

Em Divinópolis, percebeu-se que houve muito menos imposições legais que auto-regulação. A verdade é que a auto-censura é muito mais cruel e às vezes impede jornalistas de desenvolver seu papel de forma satisfatória. Repórteres que não se investem de autoridade e deixam de questionar coisas importantes pelo simples fato de terem medo são muito mais danosos à democracia do que os eventuais excessos por eles provocados – já que os excessos são passíveis de punição; a omissão do jornalista é uma questão ética. Resumo da ópera: em nenhuma entrevista se ouviram perguntas que realmente fariam a diferença para que o eleitor se posicionasse contra candidatos amorais ou despreparados.

Evandro Araújo, editor da TV Alterosa de Divinópolis, disse que "a lei restringiu porque ficou mais burocrática, as entrevistas precisaram ser homologadas com todos os prefeitos. Pedimos a autorização de todos os candidatos e procuramos dar uma igualdade de tempo e perguntas para evitarmos problemas."

Ao ser questionado sobre possíveis retaliações, Giuliano Le Senechal, repórter do Hoje em Dia, afirmou: "Não tivemos qualquer problema com isso, nem aqui nem em outros lugares. A campanha eleitoral em Divinópolis foi mesmo muito tranqüila. O que não houve foi muita notícia mesmo, nem sequer uma pesquisa válida para divulgar"

Na verdade, parecia que não havia nada a ser questionado, muito diferente do que de fato ocorre em uma campanha para a prefeitura em uma cidade relativamente complexa como Divinópolis, com os problemas que apresenta.

"De certa forma essa precaução maior foi até bom" disse Evandro Araújo. Segundo ele, a atitude evitou brechas para os veículos fazerem propaganda para qualquer candidato. A realidade empírica, no entanto, desmente o jornalista. A cobertura não foi equilibrada e, muito menos, isenta. A restrição ao trabalho do jornalista e a auto-censura imposta pelos próprios jornalistas não garantiram eqüidade na cobertura aos candidatos.

Algo mudou sem que ninguém se desse conta. A questão é: uma cultura do medo foi instaurada e já está tão enraizada que se questionados todos dizem que não sofreram qualquer tipo de restrição que não a legal e alguns outros até acharam que tais restrições ajudaram. Nesse caso, o medo venceu a esperança.

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