Em alto e bom som

O direito à comunicação como fator para a cidadania
Por Alinne Andrade e Petrúcia Tavares

Em época de eleição a linguagem de sinais é muito utilizada. No horário da Propaganda Eleitoral Gratuita, as intérpretes de sinais prestam um grande serviço aos deficientes auditivos, que necessitam conhecer as propostas de seus possíveis candidatos. Uma pequena amostra da democracia inclusiva.

É claro que as intérpretes também prestam serviço aos próprios candidatos, que não podem esquecer ninguém. Para elas, a Libras - Lingua Brasileira de Sinais é uma oportunidade de trabalho, uma profissão em crescimento no Brasil.

Interesses a parte, o que importa é o direito de todos: acesso à informação. Será, no entanto, que esse direito está garantido aos deficientes auditivos?

Veja, por exemplo, o caso do Jornal Nacional recorde de audiência da TV Globo não há uma interprete de sinais nem legendas. O que existe é a tecnologia da tecla sape. No entanto, ficam muitos excluídos por não possuírem esse recurso. Mais uma vez a condição econômica é sinônimo de privilégios e até de inclusão.

Muito se tem dito sobre inclusão social, principalmente em 2008, ano marcado pelo amplo debate sobre os direitos humanos no Brasil e que também se comemora os 60 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

O Brasil avançou nesse quesito, pelo menos nas discussões, nas ações há muito ainda para caminhar.

No entanto, algumas coisas devem ser lembradas e ter seu devido crédito atribuído. Nos últimos anos, negros e índios conquistaram o direito de cotas nas universidades federais. Para os menos favorecidos economicamente, foram criados diversos programas assistenciais, tudo pela inclusão social. E os deficientes físicos, também excluídos por muitos anos da sociedade economicamente ativa, estão sendo beneficiados.

Locais públicos se adequaram para facilitar a acessibilidade dos cadeirantes e cegos. Rampas, passeios rebaixados, elevadores próprios, caixas eletrônicos em braile, além de cotas de empregos para os portadores de necessidades especiais, dentre outras conquistas para incluir os classificados como minoria, nas atividades sociais.

Excelentes conquistas, mas e os deficientes auditivos?

Pode-se dizer que são os excluídos dos excluídos. Pelo menos é o que a reportagem pôde constatar em uma conversa com o presidente da Sociedade dos Surdos de Divinópolis – SSDiv -, Luiz-Mar Ferreira de Lima.

Como falar com um surdo? Um desafio, pois as repórteres que aqui escrevem desconhecem a Lingua Brasileira de Sinais . Pensamos que, por este motivo, muitos jornalistas não se atrevem a abordar um deficiente auditivo para uma entrevista.

Interessante é que, logo após nosso encontro, Luiz-Mar seguiu, junto com a intérprete, Andréia Martins Amaro, que nos acompanhou, para uma rádio da cidade, onde iriam conceder entrevista ao vivo sobre o Dia Nacional do Surdo, comemorado na sexta-feira, 26 de setembro.

Nessa entrevista, como também na rádio, Andréia foi a voz de Luiz-Mar,que relatou as inúmeras dificuldades enfrentadas pelos deficientes auditivos. O acesso à informação, segundo ele, é um dos grandes problemas.

“A linguagem de sinais é pouco conhecida. Tanto pelos ouvintes quanto pelos deficientes auditivos. Há famílias que ainda têm certa resistência à Libras e não deixa o filho com deficiência aprendê-la, acreditando que a leitura labial é o melhor caminho para a comunicação”, relata.

Essa resistência, segundo Luiz-Mar, prejudica os deficientes, o que os obriga a ficar em casa, sem a possibilidade de participar das atividades sociais. “Sem o conhecimento sobre a Libras, o surdo encontra dificuldade em aprender também a língua portuguesa”, explica.

A falta de intérprete nos órgãos públicos

A Lei 1436/2002 prevê que todos os órgãos públicas federais, estaduais e municipais devem garantir o atendimento e tratamento adequado aos deficientes auditivos e a difusão da Língua Brasileira de Sinais.

No entanto, o presidente da SSDiv conta que os deficientes auditivos em Divinópolis se deparam com a falta de interprete em órgãos públicos. Ele relatou um fato acontecido em seu processo de separação com sua ex-esposa, na audiência no Juizado Especial, Vara da Família.

“Cheguei ao local e o juiz começou a falar, falar e eu sem entender nada. Disse que era deficiente auditivo e que precisava de um intérprete. O juiz desconversou e informou que ali não havia intérprete. Então, tive que chamar um colega ouvinte, que conhece Libras, para me ajudar. Somente assim, a audiência pode ser concluída”, explica Luiz-Mar.

Hoje, apenas a Câmara Municipal de Vereadores possui uma intérprete, que em todas as reuniões está presente, traduzindo as discussões dos parlamentares. Há algumas igrejas da cidade que também aderiram ao serviço.

Andréia Martins, formada em Letras e Piscopedagogia, intérprete da Câmara desde 2006, conta que sempre é chamada a traduzir casamentos, audiências no Fórum ou no Juizado Especial. Andréia é uma das divulgadoras da Libras. Além de seu trabalho na Câmara, Andréia faz parte da Pastoral dos Surdos na Paróquia de Santo Antônio (Santuário).

Percebendo a exclusão dos surdos, o Legislativo, por meio de um vereador encaminhou, no início deste ano, um ofício aos diversos órgãos públicos do município, como Fórum, Juizado Especial, Ministério Público, Prefeitura, dentre outros, em que se solicita a possibilidade de capacitar servidores em Libras.

De acordo com a assessoria do vereador até o momento o pedido não foi atendido.

Reduto dos surdos

Luiz-Mar é funcionário do Estado, trabalha na Secretaria Regional de Educação ensinando a Lingua Brasileira de Sinais em cidades da região Centro-Oeste de Minas Gerais.

São ao todo cinco municípios e 27 deficientes auditivos que são alunos de Luiz-Mar. “Nessas cidades não há ninguém que conheça a lingua”, reclama.

No mês de dezembro, Luiz-Mar vai participar, como delegado do Centro-Oeste mineiro, da Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência em Brasília.

Fundada há quase um ano, a SSDiv, tem cerca de 50 associados. Mesmo com a falta de dinheiro e sem sede própria, a entidade luta pela igualdade e por um futuro melhor para todos os deficientes.

Atualmente, os encontros acontecem no Divinópolis Tênis Clube – DTC, onde são realizados cursos de Libras para os surdos e seus familiares, além de atividades esportivas e culturais.

Durante a entrevista com Luiz-Mar, falamos da participação do Brasil nas Paraolimpíadas de Pequim e de seu ótimo resultado, ficando em 9ª lugar na classificação geral.

Luiz-Mar conta que ele e muitos deficientes auditivos se emocionaram com os resultados obtidos, mas sentiram muito por não haver alguém com esse tipo de deficiência para os representar. Segundo o presidente da sociedade, isso se deve ao fato de os surdos não terem acesso à informação em tempo hábil.

“Precisamos que alguém fique sabendo das coisas para depois nos comunicar e as vezes isso leva tempo”, conta. Talvez, exatamente por esse motivo, alguns atletas não puderam sequer se inscrever para participar das Paraolimpíadas a tempo.

Outras leis

Em agosto de 2001, em Divinópolis, o prefeito sancionou uma Lei garantindo a existência, no conteúdo programático do ensino básico ministrado na Rede Municipal, de noções de Lingua de Sinais.

Ainda assim o Município não conta com esse serviço na rede de ensino.

Em Brasília, a Comissão de Educação aprovou, na última semana, um projeto de lei de autoria do Senador Cristóvam Buarque, que inclui no currículo escolar a disciplina de Língua Brasileira de Sinais, prioritariamente na educação infantil e nos dois primeiros anos do ensino fundamental, sendo facultativo a partir da sexta série.

Na Câmara dos Deputados, um projeto do parlamentar Alexandre Silveira (PPS/MG) altera a lei que instituiu o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações – FUST -, de forma a permitir a utilização de seus recursos na redução de contas de portadores de deficiência auditiva que utilizam o serviço de mensagens de texto.

A proposta aguarda parecer desde novembro de 2007. Para os surdos, que têm praticamente como único meio de comunicação as mensagens de texto, esse é um grande passo.

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