A DITADURA DO MENOR ESFORÇO EM TRÊS PERSPECTIVAS

MEMÓRIA DA DITADURA
Por Luana Amaral
A década de 1960 foi o período de maior atuação – política, estética e ética - da população jovem no mundo inteiro. Em Paris, Nova Iorque, Praga ou Rio de Janeiro, a juventude engajada estava disposta a construir um novo mundo – além daquele (deste?) movido pelo lucro.
No Brasil, em diversas cidades, os anos 60 foram de intensa mobilização. A juventude protestava contra a ditadura militar, reivindicando, entre outras ações, melhorias na educação. Naquela época, os movimentos e grêmios estudantis eram bem organizados e os estudantes se preocupavam com política de seu país. Naquele tempo, o Brasil vivia uma ditadura militar, ensaiada diversas vezes nas décadas anteriores e finalmente implantada, pelo golpe de Estado, em março de 1964.
Não se sabe – e nem cabe discutir – se o golpe e a ditadura são conseqüência ou causa dos movimentos revolucionários da época, tão bem ilustrados pelos estudantes e jovens. O fato é que a juventude daquela década se mobilizou porque tinha uma crença: a de um mundo mais justo e livre das imposições de diversos modos: estéticos, éticos, políticos, sexuais.
Já se vão mais de 40 anos desde aquela época. É pouco tempo, se for considerar o longo processo histórico. Mas se consideramos a velocidade das transformações ocorridas desde então, quatro décadas é tempo suficiente para o esquecimento das agruras e lutas contra a ditadura militar. Afinal, como está a memória sobre a ditadura hoje?
A partir do marco “Ditadura Militar”, três histórias serão contadas: a de Mauro Eustáquio Ferreira, militante da UED – União Estudantil de Divinópolis – que participou desde a cidade da luta contra o regime fardado; a de Geralda Maria de Castro, professora de História e diretora da escola estadual “Monsenhor Domingos”; e a de Stefanie Oliveira Barbosa, estudante do ensino médio da rede pública.
MAURO EUSTÁQUIO FERREIRA vivenciou a Ditadura Militar, participando ativamente da UED em 1965, cujo objetivo era conscientizar a classe estudantil para uma visão mais crítica da situação política do país e reivindicar melhores condições de estudo. A UED, juntamente com a JEC - Juventude Estudantil Católica -, eram movimentos de forte resistência à época.
Mauro Eustáquio é cético. Segundo ele, a juventude contemporânea está alheia à luta que os estudantes tiveram no decorrer da Ditadura Militar devido à má formação dos professores sobre a história recente do Brasil e pela falta de interesse dos próprios alunos que escolhem o caminho mais rápido para obter prazer: “Normalmente, o ser humano procura o mais fácil. É a famosa lei do menor esforço”, diz.
O “velho” militante não está sozinho, no entanto. Também os jovens parecem concordar com a percepção da falta de consciência histórica da juventude atual. Diz a estudante Stefanie Oliveira Barbosa, 17 anos, presidente grêmio estudantil da escola estadual Monsenhor Domingos: “Hoje em dia, os jovens não querem saber de política. Acham que isso é coisa para os mais velhos. O problema é que, para fazer parte de um grêmio estudantil, precisa entender, pelo menos um pouco, de política”. Stefanie demonstra certa nostalgia e reconhece que, mesmo sem presenciar os movimentos de 60, eles foram muito importantes para a juventude mundial.
Outro personagem, a professora Geralda Maria de Castro, tem opinião semelhante. Ela conta que, em sua infância, seus pais não participaram de qualquer movimento de resistência à ditadura. Geralda lembra que as escolas eram muito rígidas. Havia uma disciplina chamada educação moral e cívica que pregava os “benefícios” do governo militar: “Era uma verdadeira lavagem cerebral”, comenta.
Os pais da hoje professora de História achavam que o regime ditatorial não os prejudicava em nada, ao contrário, acreditavam que o período foi o de maior crescimento econômico no Brasil. “Meu pai era peão de uma empresa e, como massa, aceitava a situação política do país”. Foi no início dos anos 80 que Geralda teve uma percepção mais crítica da política nacional e passou a ser militante do movimento estudantil de Divinópolis. Desde então, garante que luta por um governo mais justo para todos.
Geralda lembra que muitas cidades da região centro-oeste de Minas possuíam boa resistência ao regime. No entanto, diz, nesse mesmo período, a televisão começou a se popularizar e a Rede Globo passou a ser referência para população, disseminando uma ideologia aliada ao governo militar. De fato, o projeto da Embratel e da própria Rede Globo de Televisão surgiram a partir do projeto de construção nacional feita pelos Governos da Ditadura. O Brasil inventado pela mídia nativa, pode-se dizer, é o Brasil imaginado pelos militares.
E É DESSE BRASIL INVENTADO pelas organizações de mídia, especialmente a Rede Globo, de que trata antigo militante e hoje pesquisador de cultura popular Mauro Eustáquio: “Os meios de comunicação também estão contaminados pela lei do menor esforço e pela mediocridade geral e naturalmente toda a população sofre as conseqüências”.
Também a professora Geralda desabafa e afirma que os estudantes estão voltados para superficialidade: “Hoje os alunos estão menos conscientes do que nós éramos. Por mais que exista liberdade de expressão, existe um verdadeiro massacre pelos meios de comunicação ao pensamento livre. O pensamento é conduzido e a educação ainda não foi eficaz, no sentido de abrir a mente dos alunos para um pensar reflexivo”.
Enganam-se, contudo, os que pensam que o recente surgimento da internet pode significar, ao menos para os nossos personagens, uma promessa de democracia. Também ela, a internet, é considerada “o mais novo veículo de massa”, e é apontada como um dos meios mais poderosos para a alienação da juventude. “Se, por um lado, favorece a pesquisa, ela ocorre em momentos específicos e em conteúdos específicos. Não existe vontade de acessar para aprender, só quando é exigido. A internet é utilizada para outros fins, como bate-papo e joguinhos. Eu não vejo que ela tenha trazido nenhum crescimento. Os nossos jovens não avançaram em nada. Hoje o trabalho do professor é muito mais gigantesco”, enfatiza a professora, com a autoridade de quem tem como função educar jovens.
ESSA VISÃO UM TANTO PESSIMISTA não é exclusividade dos “antigos”. A jovem – e engajada – estudante Stefanie declara que, às vezes, fica desanimada diante do acomodamento de boa parte dos jovens da sua geração. Ela acredita que são poucos os que possuem um real interesse em garantir benefícios para os estudantes. Stefanie diz que a escola também precisa valorizar mais a cultura nacional, explorar profundamente o que foi realizado no passado e estimular os alunos para o que pode ser feito no presente e futuro. E acrescenta que os materiais didáticos utilizados são defasados: “Os livros didáticos possuem um conteúdo restrito, pois atendem aos interesses da elite”, critica Stefanie.
Um exemplo dado pela estudante é em relação aos negros, como Martin Luther King. São poucos os livros que retratam sua vida e alguns não falam nada sobre ele. Além disso, o material é escasso”, diz. Cabe acrescentar, apenas para reflexão: se o material para pesquisa sobre a luta dos negros americanos é raro, o que dizer das diversas lutas populares do Brasil?
Nesse aspecto, no entanto, professora e aluna entram em contradição. Para a professora Geralda, o conteúdo trazido pelo material didático é suficiente para aprendizagem. Ela alega que os materiais existentes não são escassos, pois o que existe não é bem utilizado.
É CLARO QUE, ÀS VISÕES um tanto catastróficas de nossos personagens, segue-se um olhar mais otimista. Todos acreditam que para reverter essa situação é necessário um olhar mais crítico e reflexivo da sociedade atual.
Mauro Eustáquio alerta que não somente os jovens, mas toda população brasileira precisa valorizar as próprias raízes, ter autoconfiança e lutar para “uma vida mais digna para todos”.
Geralda, mesmo com a fragilidade da juventude contemporânea, espera que os jovens de hoje como os jovens da década de 60 possam ser mais atuantes e reivindicar por seus direitos.
Stefanie dá uma dica para juventude, principalmente para os estudantes: “Os alunos precisam entender que a política, principalmente, a política para a juventude é algo super importante tanto para formação escolar e acadêmica, quanto lá fora na vida, pois tudo depende da política”. E finaliza: “O interesse pela busca de uma sociedade mais justa está agonizando, mas ainda se encontram jovens que querem fazer a diferença. Que querem mudar a rua onde mora, o bairro e até mesmo a escola. São poucos, mas ainda existem”.

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