ESPECIAL

A consciência jurídica da cidadania

Considerada a “Constituição cidadã”, Carta Magna brasileira faz 20 anos com avanços sociais, mas muito distante de garantir plena cidadania a todos

Por Alinne Andrade e Petrúcia Tavares

Vinte anos após a promulgação da Constituição Federal da República Brasileira, o País amadureceu a sua consciência jurídica acerca dos direitos e garantias fundamentais, segundo o Defensor Público Federal, Francisco Nogueira Machado.

Em conseqüência, diz, houve o fortalecimento das instituições, como o Ministério Publico e a Defensoria Pública. "A constituição de 1988 é um projeto de consolidação da democracia e do Estado de Direito que vem quebrando barreiras", explica o defensor.

Machado diz, no entanto, que para a efetivação dos direitos fundamentais é necessário a consolidação dos direitos sociais, pois estes formam a classe de direitos básicos de qualquer indivíduo. "Não há como pensar no direito à vida digna, como um direito fundamental, sem se assegurar o direito à educação, ao lazer, à saúde e ao trabalho, ou seja, sem a garantia dos direitos sociais do indivíduo", enfatiza.

Hoje, milhares de crianças brasileiras estão nas ruas roubando para comer. A saúde pública está acamada, enquanto pessoas morrem nas filas dos hospitais, aguardando por atendimento. O lazer dos jovens geralmente se limita ao uso de entorpecentes, sejam eles lícitos, como o álcool, ou ilícitos. A violência urbana ceifa vidas nos grandes centros, a cada piscar de olhos.

Ao embalo da música “Comida” do grupo Titãs, os jovens da decada de 90 faziam coro: “Você tem sede de quê? Você tem fome de quê? A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte...”. Eles expressam o sentimento da maioria dos brasileiros que clamavam por moradia, empregos e salários dignos, saúde e educação de qualidade, lazer saudável e segurança. Hoje, uma década após o sucesso da banda, a música continua atual.

O acesso à saúde gratuita e de qualidade, por exemplo, negados aos brasileiros, priva-os do direito à vida digna. O Sistema Único de Saúde – SUS -, instituído pela Constituição de 1988, embora represente um enorme avanço, ainda engatinha em sua eficiência, dada a complexidade do sistema brasileiro.

Para um adulto saudável é preciso acompanhamento médico desde gestação. Assim, um bom pré-natal se faz necessário. Após o nascimento, as vacinas são fundamentais para o desenvolvimento adequado. No calendário nacional de vacinas oferecidas pelo SUS, não está incluída, por exemplo, a imunização contra a meningite bacteriana, doença que pode matar quem for contaminado.

Com um ano e meio de idade, Pedro Artur gostava de brincar, correr e jogar bola. Fez isso pela última vez no dia 25 de novembro de 2004, quando contraiu a doença que o deixou tetraplégico e dependente de um respirador artificial.

Para tentar evitar que isso aconteça com mais crianças do país, além de garantir a saúde de outras lesionadas por meningite bacteriana, o Instituto Pedro Artur, de Belo Horizonte, está, há mais de dois anos, colhendo assinaturas por todo país solicitando o aval dos brasileiros.

A proposta objetiva que as vacinas contra a meningite bacteriana, que custam em média R$200, sejam incluídas no Programa Nacional de Imunização, do Ministério da Saúde e, conseqüentemente, sejam fornecidas gratuitamente pelo Governo Federal.

Para que o projeto seja caracterizado de iniciativa popular é preciso a assinatura de 1% do eleitorado brasileiro, o que somaria 1.260.000 assinaturas. Por enquanto, mais de 800 mil brasileiros já colaboram com o projeto.

Desde 2006 o abaixo-assinado percorre o Brasil e já chegou a Divinópolis. Aqui, a Assistente Social Margareth Ângela de Jesus é uma dos milhares de voluntários do Instituto na busca pelas assinaturas necessárias. Após colhida a quantidade necessária, a proposta é encaminhada ao Congresso para votação.

Essa iniciativa, que só foi efetivada graças à Constituição “Cidadã”, promulgada há 20 anos, é uma maneira de participação popular na eleboração das políticas públicas no Brasil.

Da promulgação à cidadania

Em 5 de outubro de 1988, o então Deputado Ulysses Guimarães, Presidente da Assembléia Constituinte, após uma fala de quase uma hora, promulgou a Constituição da República Federativa do Brasil. Ele declarou: “A Nação mudou. A Constituição mudou na sua elaboração, mudou na definição dos poderes, mudou restaurando a Federação. Mudou, quando quer mudar o homem em cidadão, e só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário, lê e escreve, mora, tem hospital, remédio e lazer quando descansa.”

Nas últimas duas décadas, o Brasil avançou no que diz respeito à cidadania, com a promulgação da Carta constitucional, que consagra, principalmente, o direito à saúde, a educação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e a infância, e assistência aos desamparados.

É preciso analisar esses vinte anos de democracia. Os “cidadãos” reclamam da atual situação, sem, no entanto, sair de suas casas para discurtir e cobrar de seus representantes soluções para os problemas de sua cidade, comunidade ou bairro. Um quadro bastante diferente daquela sociedade na década de 80, que lutava pela derrubada da ditadura, ou, como faz a Assistente Social Margareth, percorrer a cidade colhendo assinaturas, pensando no bem comum.

A Socióloga e Professora da Funedi/UEMG, Márcia Helena Batista, explica que a Constituição é produto de uma mobilização social. “A Constituiçao é fruto de uma efervescência com intuito de romper a ditadura e restaurar a democracia. Entre os anos de 1985 a 88, uma diversidade de movimento sociais começou a emergir. O Brasil viveu, ali, uma emergência da sociedade civil organizada com o propósito de fazer a passagem, superar a ordem política para implantar uma nova. Foi a luta pela democracia que possibilitou a Constituição”, diz Márcia.

A população enviou, entre 1986 e 1987, exatos 72.719 formulários com sugestões aos parlamentares constituintes, para que seus desejos e aspirações se fizessem presentes no texto. “Uma das sugestões mais significantes foi a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). O tema foi objeto de debates em várias entidades até a sua chegada à Assembléia Nacional Constituinte, onde a discussão contou com significativa presença de especialistas e representantes dessas entidades”, afirmou o Senador José Maranhão (PMDB-PB), em entrevista a Agência Senado, na época em que era Deputado Constituinte.

Essas cartas, hoje, integram um banco de dados chamado Sistema de Apoio Informático à Constituinte (Saic), que pode ser acessado pelo site do Senado(www.senado.gov.br/legislacao/baseshist). Os originais estão arquivados na Câmara dos Deputados.

No entanto, para o Senador Cristovam Buarque, as pressões populares aprisionaram o texto. “Não se pensou o País como um todo, mas como um quebra-cabeça de corporações. A Constituição pode ser cidadã, mas não patriótica”.

A Professora Márcia Helena acredita que o Brasil avançou muito nos vinte anos de Constituição, mas há muito ainda que avançar. Ela entende que, para isso, é preciso que a sociedade brasileira conheça o texto constituicional, para saber mais de seus direitos e deveres e passar a discutir seus anseios com seus representantes, efetivando assim a democracia participativa.

Na democracia formal, o limite da participação popular é o limite da escolha, do sufrágio. A Constituição, quando estabelece os conselhos locais, estimula os governantes a constituir esferas públicas, arenas em que a sociedade terá que sentar com o Estado para decidir coisas. Isso é a experiência da democracia participativa”, explica.

Projeto inacabado

As opiniões sobre o assunto são divergentes. Há quem critique a Constituição e diga ser necessária uma nova Carta, outros que a elogiam, afirmando que o texto está entre os mais modernos do mundo. O embate político foi iniciado em 1º de fevereiro de 1987, na instalação da Assembléia Constituinte. Sem acordo em alguns pontos, até hoje, dos 250 artigos, 66 ainda dependem de algum tipo de regulamentação.

Apesar das 62 emendas já recebidas, o Professor e Cientista Político, Octaciano Nogueira, acredita que ainda virão muitas outras. Quando pronta, disse Octaciano Nogueira em entrevista à Agencia Senado, a Constituição de 1988 ficou com 296 dispositivos para serem regulados em leis posteriores. Cerca de dois terços desses dispositivos ainda não foram regulamentados. As 62 emendas já incluídas no texto constitucional modificaram 117 dos 250 artigos da carta.

Apenas para efeito de comparação: a Constituição brasileira de 1988 foi a 8ª Carta em vigor no Brasil, desde a independência do País, em 1822. Os EUA, que, se hoje têm sua democracia colada sob suspeita, em razão dos últimos ataques aos direitos civis, certamente são ainda modelo de nação democrática, tiveram, desde 1787, quando da independência do país, uma única Constituição, que recebeu, ao longo dos mais de 200 anos de história, apenas 27 emendas.

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